domingo, 26 de julho de 2015

domingos


Não há culpas.
Não há dedos apontados, nem divãs onde me tenha esticado durante 1h a tentar perceber o que se passa comigo. Nunca procurei respostas porque não tenho perguntas. Sou. Mas não posso ser. Se fosse, deixava de ser.
Revolto-me em certos momentos do dia por me permitir não ser quem sou verdadeiramente. Noutros, não penso nisso, limito-me a ser o que os outros acham quem sou. Sou considerado um bom homem.
Deixo assim.
Não há culpas, o almoço de Domingo é religioso, sou o que os olhos dos meus pais e da minha tia veêm. Nunca tentei desmistificar nada, contar fosse o que fosse. Agrada-me estar perto deles, sinto-me confortado entre eles. Até mesmo quando há perguntas e minto.
Sou um bom homem, um bom mentiroso.

 

quarta-feira, 15 de julho de 2015

teste


Once up on a time was a little boy lost on the woods...
 
O rapaz parece que só se perde a partir da noite, simbologia do bosque,  mas é fraca mentira, a começar pelo rapaz. As trevas tocaram-no cedo e agarrando noite e dia e dia e noite, não chega a haver um interruptor porque verdades dentro dele sempre estiveram acesas, vem a mão à luz da vela para esconder o alumiado não vá alguém aperceber-se. Já sabe que essa luz não é pura, um disfarce, é como o bosque que parece ter boas árvores para nos acolher ao piquenique mas afinal é tudo uma isca para arrastar ao pecado, por detrás do tronco é que são elas.
 
Devería eu ter sabido desde o inicio dos tempos como se descobre a parte de trás dos troncos das árvores, andei às voltas, ainda ando, tonto, tonto, vou-me deixar caír porque quero, é bom saber-me agoniado de andar aos círculos e deixar de ter medo de não encontrar a porta certa.
Mais um teste, mais um dia, a partir da noite começa o dia e posso descobrir todas as portas, eu o bosque, o homem à procura do rapaz perdido.

 

quinta-feira, 9 de julho de 2015

depois


O costume, o rame-rame do costume, trânsito, trabalho, trânsito, casa.
O que faço depois.
O que sou depois.
O depois.
Perguntam-se onde vou depois do serviço, convidam-me para tomar um copo a propósito do aniversário de alguém que nem sequer conheço muito bem, mas quem me convida tem o hábito de fazer muitas perguntas, quer saber, e já entendi que o meu depois é um mistério. Durante algum tempo, recusei delicadamente e contornei as questões. Não teve efeito. Depois comecei a responder à medida do que era esperado. Deixou-me em paz durante um tempo. Agora a táctica é aceitar, convidou-me para ir tomar um copo, vou, vamos todos, mesmo indo em celebração de quem mal conheço.
Como esta pobre mulher está enganada.
Mas por vezes tenho medo.

sábado, 4 de julho de 2015

promessa


Vou sempre parar ali, apesar de detestar o fumo, o cheiro dos corpos, apesar de no caminho até lá só pensar no que vou encontrar, o cheiro dos corpos.
A noite grande acaba sempre por ser a noite mais magra, por ser a mais consumida de tanta vontade. Esta noite nada mais tive que cheiro requentado de nicotinas passadas de boca para boca e a observação de bocas que trocaram palavras comigo na gritaria dos decibéis, não sei o que me disseram, a maior parte das vezes não percebo o que me dizem, os olhos e os invulgares gestos de tão minúsculos no seu agitar tornam-se-me tão mais bem entendíveis que quando falam não consigo traduzir o que se aproxima.
 
Bebi demasiado esta noite.
Nem tanto que não tenha percebido que quem abre a porta sou eu, que quem roda a chave no trinco é a minha mão e é esta que completa os ponteiros do dia a nascer. Prometo-me não voltar lá, especialmente depois desta noite.
Especialmente porque a minha roupa despida trouxe para o quarto o cheiro dos corpos que ficaram por lá.